Dia solarengo em que finalmente o frio se parece desvanecer
e o calor de dias mais risonhos me chega finalmente…
O ânimo é diferente e a
melancolia de um inverno exigente, também.
Aproveito o início de tarde para um almoço mais demorado,
degustando a refeição e um sol que descaradamente me oferece a sua luz, embora
com traços de timidez no que à temperatura diz respeito. Está agradável, ainda
que seja impensável atrever-me a retirar qualquer uma peça de roupa que me
reveste e conforta.
A meu lado, algumas mesas e cadeiras estão ocupadas de igual
forma… Gente que sente saudade de calor, de bom tempo, de romper com uns meses
de dias cinzentos e de dar largas a uma liberdade e a uma maior boa disposição.
Em toda aquela gente, reparo com avidez… Ainda que os traços do vestuário
evidenciem roupas escuras, quentes e de certa forma, condizentes com a altura
do ano em que nos encontramos, a elegância é vista pelos meus olhos de um modo
mais detalhado e atento. As tonalidades dos tecidos tornam-se estilos de pura
classe, realizam na perfeição cenários de diferentes contrastes e permitem em
simultâneo que os excessos de tecido que ainda combatem o frio, manifestem
requinte, bom-gosto e cuidado aparentes. Agrada-me este ambiente…
Continuo degustando a minha refeição, sem pressa e sem
vontade de que a mesma termine. Gosto de aqui estar, como se possível fosse,
eternizar este momento. Volto a reparar nas pessoas e as reacções são em tudo
semelhantes à minha. Centro a minha atenção em particular, numa jovem senhora
que parece situar-se do mesmo modo que eu. Aproveita o momento, saboreia cada
pedaço de alimento e ali permanece como se esperasse algo… Os óculos escuros
que se aninham no seu rosto, não me permitem despir-lhe o olhar. É uma cara
bonita, jovem ainda, mas de uma mulher feita e sem tiques de meninice
associados. Distinta, elegante, convidativa…
Confesso que não me sinto com coragem para abordar alguém e
muito menos a mulher que observo. Vergonha talvez, ou receio de que este
momento que há tanto esperava se perca e me possa estragar o instante. Opto por
continuar o meu sossego nesta mesa, nesta cadeira, brincando com o copo de
sumo, trincando o gelo e permitindo-me a observá-la e a fantasiar.
Gosto como se senta, como se movimenta, como mexe os lábios
enquanto mastiga… A perna traçada perfeitamente visível e revestida por meias
pretas diante de uma saia vermelha, conferem-lhe um ar cuidado, prazeiroso. Os
sapatos rasos são delicados, embora me pareçam tudo menos quentes ou confortáveis.
Gosto como ela movimenta o pé, como o descalça e volta a calçar na perna que se eleva sobre a
outra. E fantasio de novo…
Apetecia-me estar ali horas, a observá-la como se pintasse
um quadro mental na minha mente. Apaixona-me a postura, a forma como parece
representar um papel que simplesmente é uma acção natural daquele momento. E
queria, queria-a muito para mim. Vontade de fazer desaparecer todos aqueles que
nos rodeiam e que apenas nos distraem e desviam a atenção. Quero-me concentrado
nela, na vontade de a contemplar e de a tornar minha… Confesso que me apaixona
pelo que vejo e não pelo que me faz sentir. Revejo-me no papel de um verdadeiro
amante, cuja adrenalina do momento proibido e eventualmente condenável, me
aumenta a excitação, o desejo e o prazer de a possuir. Não sei se terá alguém
ou se pura e simplesmente viverá só. Imagino-a apenas com um sinal endereçado a
mim sob qualquer forma e como que a dizer… “VEM”. E sim, fecho os olhos e
sigo-a até uma casa qualquer. Apenas quero um abrir de portas para me receber e
um trancar das mesmas para me aprisionar. E sim, uma vez lá dentro, tudo nos
seria permitido… Volto-me a elevar diante de tão sórdidos pensamentos. Quero-a,
quero-a exactamente assim! Quero entrar por entre quatro paredes e consumi-la.
Não páro um só instante... Os meus devaneios aliados a um
estado de espírito conferem-me altivez e uma postura que há muito desejo
alcançar. Confesso que não me importo se ambos poderemos ter as vidas
sentimentais preenchidas. Aliás, nem se trata de repartir corações ou de ir em
busca de algo a que a suposta novidade é aguçada pela curiosidade. Há muito que
desejo uma amante daquela forma e daquele modo, tenha alguém a meu lado ou não.
Quero-a para fazer minha, para a tornar parte de mim, usando-a pela carne sem
nunca abdicar do amor que inevitavelmente sentirei que me fará provocar.
Simplesmente, desejo amá-la desta forma, dando-me, entregando-me, exigindo e
querendo a mesma louca rendição apaixonada e sem compromisso.
Vejo-a levantar e faço por segui-la... Persigo-lhe o rasto
pelo olhar, pelo aroma, pelo sabor que a minha boca quase sente ao desejá-la em
mim. E volto a querer estar com ela. Sinto fome de a ver entrar numa qualquer casa, de tocar à
campainha e de ser recebido por entre a tal porta que se abre e fecha à
velocidade dos nossos intentos. E quero roubá-la para mim, despi-la, trincá-la
e lambê-la pedaço a pedaço, na mais ínfima e impiedosa forma de amar. Desejo a
mesma loucura, a mesma insanidade do seu toque, da sua boca, dos seus lábios,
da sua lingua... Das provocações baratas e excitantes que sempre nos elevam a
um estado superior de entrega e sensações... Apetece-me viver o momento, com a
pressa da exigência e da satisfação, em simultâneo com o retardar do tempo para
um melhor e mais perfeito sentir. E quero, quero muito repetir... Por agora,
por hoje, pela eternidade... Reprovem-me o acto, a loucura, a indecência.
Culpem, punam e julguem a minha atitude condenável e quiçá reprovável, aos
olhos dos outros.
Assumo convictamente que a vontade de ambos jamais seria a
de ferir os sentimentos de alguém com quem pudéssemos partilhar as nossas vidas
naqueles precisos instantes, não negando
no entanto que o desejo partilhado consistiria numa entrega sem reservas e onde
constataríamos que o mesmo nos alimentaria e satisfaria de um modo inequívoco e
verdadeiramente único.
Sinto-me capaz de a amar pela incondicionalidade do amor que
a esta distância ela me produz. Acredito ainda que alimentado de uma forma mais
visível e menos proibida, dificilmente poderia crescer e ser tão intenso como o
é e sinto estar a ser. Adrenalina, desafio, carência... Chamem-lhe o que
quiserem... No entanto e por dentro, bem no meu íntimo é bem mais do que uma
vontade física de saciar vontades. No fundo, é disso que os verdadeiros amantes
se alimentam... De uma paixão avassaladora bem maior que uma carência física ou
necessidade de novas sensações. E nessa paixão insiro-me e acometo-me com a
maior das verdades: a minha própria!
Rapidamente o meu olhar e o meu pensamento regressam à
realidade e me levam a seguir pelo trilho habitual. Jamais poderei ter a
certeza de a voltar a ver, mas em tudo e por tudo, alcancei uma certeza por
hoje... Desejo e quero muito viver um amor desta forma. Para sempre...